segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Toujours sur mon esprit

O ano era mil novecentos e sessenta e um, na Rádio Clube PRD-7, de hora em hora ouvia-se as músicas do Elvis entre uma rádio novela e outra. Lembro-me como se fosse hoje, Jânio e sua “vassourinha” assumiram a presidência, a música era rock’n roll e todos sonhavam em ter uma lambretta.

Um ano antes, quando fiz dezoito, meu sonho se tornou realidade. Meus pais me presentearam com uma “LI 1960”, uma lambretta azul e branca novinha, novinha... umas das primeiras “Lilis” de Sorocaba.

Foi de lambretta que encontrei Fernanda. Estava passeando, cantarolando Elvis, jaqueta de couro, brilhantina no cabelo, corria muito, virei no quarteirão do Bar do Gastão a mais de sessenta por hora, quer dizer, a lambretta virou, eu não.

Não me lembro da queda, mas lembro muito bem quando acordei e vi Fernanda pela primeira vez. Naquele momento, por um instante, tive a convicção de que havia morrido e estava nos braços de um anjo.

Ela não era de Sorocaba, seu pai, um engenheiro italiano, estava visitando um colega, que junto com ele havia trabalhado nas obras da Sorocabana em Mairinque.

Fernanda me ajudou a levantar, foi comigo até o Gastão, perguntou se eu estava bem, se eu precisava de algo e a única coisa que eu sabia fazer era olhar para seus olhos cor de mel.

Durante todo aquele ano, Fernanda veio a Sorocaba mais umas duas vezes, mas nós passamos a conversar sempre, por meio de cartas e mais cartas, nas quais, falávamos sobre tudo.

Um dia em uma carta Fernanda disse que iria se mudar. Seu pai foi contratado para trabalhar em um prédio que a italianada estava construindo na esquina da Ipiranga com a São Luís. Um prédio que diziam seria o mais alto de São Paulo, ou como meu velho pai falava “papo de italiano”.

Eu que então já estava completamente apaixonado por Fernanda, mas era incapaz de me declarar, nunca mais a vi. As cartas deixaram de chegar e a última que enviei voltou com o carimbo de “mudou-se”.

Assim como a lambretta, Fernanda se tornou uma lembrança feliz de minha juventude. O tempo passou, eu me formei doutor e comecei a clinicar e a dar plantões no Hospital Santa Lucinda.

Nunca fui muito a São Paulo, nunca consegui entender a lógica dessa cidade. De vez em quando ia a um congresso, ou uma palestra, mas nada que me impedisse de voltar a Sorocaba no mesmo dia.

Em um desses congressos conheci Andréa, uma pediatra recém-formada pela Pinheiros. Amigos comuns nos apresentaram. Andréa nunca me fez perguntas, nunca questionou se eu a amava, e foi com ela que eu me casei, com quem tive meus dois filhos: Pedro e Marcos.

Aprendi a amar Andréa pelo amor que ela me dava, por seu companheirismo e pelos filhos que tivemos. Andréa faleceu jovem, vítima de um aneurisma. Com sua morte, minha vida se resumiu a me dedicar às crianças, que ainda estavam no colégio, clinicar e a dar aulas na PUC.

Nunca me senti só, minha rotina nunca me permitiu esse luxo. Nunca pensei em me casar novamente, nenhuma mulher voltou a me encantar, entretanto, a lembrança de Fernanda ainda habitava meus sonhos.

Os filhos cresceram. Pedro se formou em economia e hoje vive no exterior onde se casou, há pouco tempo, com uma brasileira. Marcos seguiu a carreira da mãe e se formou médico pediatra. Hoje ele atende em uma clinica em São Paulo.

Essa é a primeira vez que Pedro retorna ao Brasil depois de seu casamento. Esta noite, Marcos e eu, iremos nos encontrar com ele em um jantar para que possamos conhecer sua nova família. Confesso que o local escolhido para o jantar não me agradou muito: o Terraço Itália, em São Paulo.

Pedro disse ao telefone que seria um jantar para poucas pessoas, eu, ele, Marcos, sua esposa e sua sogra, viúva já há alguns anos, que morava com eles em Memphis.

Como já não tenho mais idade para me arriscar no trânsito caótico de São Paulo, combinei com o táxi às dezoito e fomos direto ao restaurante.

Quando desci do elevador, ali no quadragésimo primeiro andar, ouvi, após muitos anos, Always on my mind do Elvis e, aproveitei, enquanto o maître me encaminhava à mesa, para reviver os bons momentos de minha juventude e, por um breve momento, imaginei o quão bom teria sido minha vida se tivesse dito a Fernanda o quanto a amava.

Foi então que aconteceu.

Nem mesmo os mais de quarenta anos que separavam nosso último contato me fizeram esquecer seu olhar, lá estava Fernanda, sentada ao lado de meu filho e de sua esposa, sorrindo para mim.

Ali, no prédio da italianada que eu tanto odiava, dançamos a noite toda.

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande história!

Fábio Félix disse...

Quase um relato, nem do bem, nem do mal. Boa história, porém.
E: Você é contra a italianada? Brincadeira!