quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Há dias em que a chuva cai

Chovia muito quando a deixei em casa, Eliana desceu do carro aos prantos, bateu a porta do velho casarão no Jardim Europa e entrou.

Acelerei, senti minha alma congelar. Amava Eliana, mas não estava preparado para lidar com essa situação. Enquanto acrescia velocidade ao carro, vi toda nossa vida bailar em minha mente. O dia em que nos conhecemos, as tardes em Campos... tudo, tudo desfilou em meus olhos, como num filme noir.

Meu Deus! Por que? Por que? Somos tão jovens, Eliana ainda nem se formou. O que será de nossos sonhos? Nossas vidas, em um instante, desfez-se como os anjos que um dia desenhamos na areia.

O dia amanheceu ensolarado. Ana iria se casar às quinze horas.

Foi tudo muito estranho, quando vi Eliana sabia que ela não estava bem, seu brilho estava rebuscado... confesso que, num momento, pensei se seria ciúme de Ana, afinal sua irmã mais nova iria se casar e, graças à minha pós-graduação, nós não podíamos nem pensar nisso. Entretanto, quando da tradicional pergunta, ela apenas respondeu: "Imagine Marcos. Estou ótima!"

Tão logo, a cerimônia religiosa acabou, ainda no carro, em plena Avenida Europa, Eliana desmaiou.

Eram três da manhã quando o pai de Eliana me acordou na sala de espera da UTI do Einstein: " Marcos, ela acordou e quer ver você."

Entrei no quarto, lá estava ela, pálida... nunca a vi tão distante. Nos olhamos, segurei em sua mão, ela disse: "Eu amo você."

Aconteceu. A quimioterapia sugou a vida de minha amada, o câncer sugou nosso amor... Eliana se tornou áspera, começou a me evitar: "Mas ainda a amo, sei que vamos vencer, seremos tão felizes quanto em nossos sonhos."

Nada, a possibilidade de não viver fez com que Eliana quisesse se afastar de mim: "Você não vê que vou morrer, você é jovem, merece ser feliz."

Hoje, fomos à ópera, prometi a ela que a deixaria, mas, antes, queria que ficássemos juntos pela última vez. Ela estava deslumbrante com aquele lenço de seda a esconder o pouco que restou de seus longos cabelos pérola.

No meio da ópera – Aida, no Municipal – Eliana me abraçou, chorou e disse: "Leve-me daqui, quero ir para minha casa."

No caminho nenhuma palavra, apenas os sons das ruas de São Paulo ecoaram em nossos ouvidos. Chovia muito quando a deixei em casa, Eliana desceu do carro aos prantos...
O telefone! "Alô, o que? Eliana?!... Meu Deus! Quando foi que aconteceu Ana?"

Suas últimas palavras foram: "Agradeça a Marcos por me amar."

4 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, bom o conto, mas muito triste...Coitada da Eliana, tão novinha...

Anônimo disse...

No filme "Paris, Te Amo" - na verdade um apanhado de diversas pequenas histórias na visão de vários diretores - um sujeito francês, que arrumara uma amante, resolve dispensar a esposa num restaurante. Ela chega e diz que tem câncer. O marido resolve esperar e ficar ao lado da mulher. Como há muito tempo não ocorria, ele se aproxima de forma muito íntima da esposa - conhece-a mais uma vez, como se em outro mundo - e também novamente apaixona-se por ela, que algum tempo depois morre. A temática abordada no seu conto me fez lembrar dessa passagem. Muito legal.

Anônimo disse...

...só pra complementar, um apanhado de pequenas histórias sobre Paris, na visão de vários diretores...

Fábio Félix disse...

Nossa, Náutico, que coisa mais triste...
De qualquer forma, muito legal o conto, ainda que breve.
Está melhorando, não? ;)