quarta-feira, 19 de março de 2008

Coca-colas no asfalto (um ensaio sobre descrição atróz)

No interior do freezer, junto às latas de sorvete, três moscas se debatiam contra o vidro.

O calor estava insuportável, o ar repleto de suores alheios só fazia inebriar os poucos que ali passavam entre uma viagem e outra.

No rádio ouvia-se uma dessas baladas grudendas, sucesso de uns oito anos atrás.

Na estrada o silêncio do nada ensurdecia quando vez ou outra um caminhão singrava em alta velocidade, possivelmente na banguela.

Antes das duas o rádio interrompeu a balada e irrompeu mais um plantão de notícias.

Com um sotaque arrastado o locutor local anunciava que uma vez mais a estrada seguiu sua sina. Mais um acidente fatal... treze histórias finalizadas com bestial brutalidade.

Em um choque frontal, uma van, doze - tal como apóstolos - religiosas, um caminhão refrigerado, um motorista e 1024 garrafas de coca-cola se confundiram no asfalto quente.

Horas antes, o motorista estava ali, sentado na mesinha do canto, enxugando o suor no guardanapo de papel toalha, enquanto mastigava mecanicamente uma empanada já fria e, em seu caminhão refrigerado, as 1024 garrafas de coca-cola.

Agora ele estava lá, preso às ferragens, às religiosas a caminho do inferno de bíblia nas mãos... todos embebidos em sangue, rosários, suores e coca-cola.

No rádio, ouve-se um comercial do governo. Um bêbado se levantou e pediu mais uma tequila... lá a coca-cola escorre, intermitente, no asfalto.

3 comentários:

Fábio Félix disse...

Muito bom, Sick Bastard. Quem sabe se o motorista tivesse tomado algumas daquelas Cocas, estivesse mais acordado, e tivesse evitado o acidente...rs...Abraço



-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-
Você convocou, escrevi o meu...rs...Tomei uma injeção de Ari antes, é claro. É no seu estilo. ;)

Anônimo disse...

Há muitos anos, em viagem de volta do interior, parei num posto em São Carlos para tomar um café. Alguém, que estava comigo, cumprimentou um grupo de pessoas que deixavam o estabelecimento. "São conhecidos da família", comentou. Minutos depois, retomamos a viagem rumo a São Paulo e, logo dois quilômetros à frente, enfrentamos um pequeno trecho de congestionamento. Havia fumaça; do resto não me lembro. Depois fiquei sabendo que tratava-se da tal família de conhecidos, e que sobreviveu somente uma criança. O rosto de um deles, uma mulher - que me disse "oi" no posto de São Carlos - nunca saiu de minha cabeça.

Anônimo disse...

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