sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Hora e a vez de Nelson Quintela ou, O vazio de Guimarães...


A pior dor é o vazio, o vazio consome tudo...
o vazio que nos traz a ausência do Nelson,
o vazio que Maria Luísa deixou, o vazio que o Nelson consumiu.

Há três semanas Maria Luísa havia saído de casa. Nelson estava inconsolável.

Maria Luísa conhecia suas fraquezas, sua boêmia, mas ao que parece não conhecia seu amor.

O Nelson é claro, tinha convicção de que ela acreditava em seu amor e sabia que a malandragem, o samba no pé e as mulatas eram parte de sua vida, de sua criação.

Após quatorze anos Nelson chegou da gafieira e Maria Luísa não estava em casa, sobre a mesinha da sala, em um pedaço de papel sulfite, um soco no estômago de apenas duas palavras: “Cansei, adeus.”

Desde então, Nelson deixou de sair, deixou de se alimentar, a única água que bebia descia ardente goela abaixo. A cachaça ulcerava sua dor, mas ele sequer sentia.

O pequeno apartamento na Nascimento Silva parou. O pó impregnava os móveis, o único som que se ouvia era o Cartola, em seus sambas doloridos, cantando baixinho.

Os vizinhos batiam à porta, mas Nelson não atendia, quando respondia limita-se a maldizer a vida, maldizer o amor.

O amor de Nelson Quintela deixou de doer em paz, seu mundo se tingiu de cinza, sua vida era só desalento.


Na última sexta-feira, a porta do apartamentinho da Nascimento Silva amanheceu aberta, os vizinhos não ouviram, ninguém viu. Nelson não estava na Lagoa, Nelson não estava no Vinícius, Nelson desapareceu por completo do Leblon e de Ipanema.

Insano de desespero Nelson vestiu seu terno de linho, tomou seu Panamá e saiu ainda pela madrugada... perambulando pelo Rio até morrer na Lapa.

Nelson alugou um quartinho em um desses hotéis do meretrício, pagou a semana adiantada, tirou do bolso uma cordinha de palha, ficou nu, amarrou seus pés, cobriu sua vergonha com o Panamá, com dificuldade amarrou suas mãos à cabeceira da cama e se entregou ao vazio.

Encontrado pelo dono do hotel, cinco dias após, seu corpo inerte sorria, em seus olhos o brilho de uma vida intensa consumida pelo vazio.

* fotografia de Ricardo Tavares

Um comentário:

Anônimo disse...

Já é tempo pra mais um post!

Thiago