terça-feira, 3 de julho de 2007

Grande Maison

Ninguém ouviu, os garotos saíram correndo e deixaram a vidraça quebrada; também, quem se importaria com aquela vidraça, aliás não só com a vidraça, com a casa toda.

Envelhecer faz parte da vida, mas para alguns é uma parte incômoda e triste. Assim foi para Antônio, setenta e dois anos, quarenta deles mergulhado na mágoa e na solidão, mas, nem sempre sua vida foi assim...

Aos trinta e dois, Seu Antônio, como era conhecido, era só alegria: bela família, belo emprego e como todos diziam, “um belo futuro pela frente!”.

Ah! Nada como ser engenheiro civil no governo JK, viadutos, pontes e estradas floresciam sempre rumo ao norte, rumo a Brasília, à cidade que surgiu do nada no coração do planalto central. Antônio desbravou o triângulo mineiro, de Uberaba a Araguari todos o conheciam.

Bela família? Sim, Dona Marta e as duas meninas, Alice e Marília. Educadíssimas, amavam o esposo e pai e dele se orgulhavam. Mudar de cidade, atrás do progresso, parecia não incomodá-las. A figura do pai, sempre decidido e protetor, exercícia sobre elas um magnetismo admirável.

Bela família?! Seria até hoje se não fosse Joana, aquela morena de corpo tentador foi a perdição de Seu Antônio.

Joana não só roubou Seu Antônio da família, como roubou dele todas as economias, o sonho de trocar de carro, a reforma da casa, a faculdade das meninas... Seu Antônio passou a beber, perdeu o emprego, e o que é pior, passou a bater em Dona Marta.

Um dia , bateu tanto que Dona Marta não se levantou...

Dona Marta demorou meses para se recuperar, a culpa nunca abandonou Seu Antônio. A família se foi: esposa, filhas se mudaram para a capital. Deixaram ao pai, não um abraço de saudade e a esperança de um até logo, mas sim remorso e solidão.

Tudo por Joana, a bela morena, tão bela que a Seu Antônio não pertencia, Joana era do mundo, era da vida, saiu da vida do Seu Antônio da mesma maneira que entrou, de repente.

Vida, que vida? Dizem que o homem nasce para viver em sociedade. Seu Antônio não, a vergonha fez com que, o um dia bom pai, bom amigo, bom profissional se afastasse do mundo.

A bela casa de outrora, tornou-se um casarão abandonado, mórbido, nunca mais se ouviu risos, nunca mais as flores do Jardim se abriram na primavera. Seu Antônio saía uma vez por semana, de cabeça baixa e sem dizer uma palavra, ia ao correio, ao supermercado e a seu ostracismo regressava.

Escrevia, em vão, cartas e mais cartas à mulher e às filhas... que nunca as responderam.

Hoje Seu Antônio não saiu de casa para ir ao correio e ao supermercado, era seu aniversário, das datas que viveu, sempre era esta uma das mais tristes. Todos os anos, nesta data, esperava qualquer sinal de suas filhas e de sua mulher e, como fez nos últimos quarenta anos, arrumou-se e, pôs-se ao lado da porta, esperando o inesperado.

Às duas da tarde, o carteiro passou pela rua e deixou um envelope no alpendre do casarão, a alegria tomou conta do velho, que logo correu para buscá-lo.

O barulho da vidraça quebrando rompeu com o silêncio da sala. A bola de futebol rolou pela sala até tocar o corpo de Seu Antônio. Ao lado de seu corpo morto, um revolver; preso em sua mão uma carta, na qual se lia:

Sr. Antônio,

Dona Marta sua ex-esposa, faleceu ontem, de desgosto e tristeza.

At.

Alice e Marília.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tenso.

Fábio Félix disse...

Nossa, esse conto roubou minha energia vital...rs...Boa história, ainda que breve.

Anônimo disse...

Rodriguiano...