quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Peu de Conte II

A vida de dona de casa não a entediava. Clarice sentia verdadeiro prazer em viver como tal. Orgulhava-se de seu sólido e duradouro casamento, de sua admirável família, de seus filhos e de seu amado marido.

Às quartas-feiras, Clarice – que não dirigia desde os vinte e dois anos – caminhava três quadras até a Frei Caneca, de lá ia de ônibus, mais por hábito que por necessidade, até o Pátio Higienópolis, onde almoçava com sua irmã e com Ana, sua melhor amiga.

Nesta quarta-feira, Clarice saiu de casa, mas não foi ao shopping, há dias uma leve dor de cabeça a atormentava e hoje, Dr. Augusto, seu médico e amigo da família de longa data, disse que poderia atendê-la entre as consultas das treze e trinta e das quatorze horas.

A alguns passos do ponto de ônibus, Clarice foi abordada por um garoto. Em um primeiro momento o medo alimentou suas veias, afinal há menos de um ano seu marido sofrera um seqüestro relâmpago, mas não era essa a razão dessa abordagem.

O garoto, um desses tantos perdidos pela cidade em busca de um trocado, em momento algum quis machucá-la. Entretanto, o envelope que ele trazia em suas mãos, esse sim, tinha como único propósito ferir Clarice.

“Olha Dona, pediram pra eu entregar isso pra Senhora”, dito isso o garoto depositou o envelope nas mãos de Clarice e saiu correndo rumo à Rua Augusta. Ela ainda gritou, perguntando do que se tratava aquilo, quem havia pedido ao garoto que lhe entregasse aquele envelope, e como o garoto sabia que era ela a destinatária daquela entrega.

Todos os gritos foram em vão. Ao abrir o envelope todas as perguntas perderam o sentido, seu conteúdo atingiu Clarice como uma bofetada. Um calafrio percorreu seu corpo, naquele instante seu céu se escureceu, seu chão deixou de existir.

Dentro daquela caixa de Pandora de papel opaco estavam fotos e mais fatos, retratos de uma imoralidade.

Nas fotos duas pessoas: Uma jovem modelo publicitária que Clarice havia encontrado uma vez em uma desses jantares promovidos pela agência do marido, e um renomado diretor de criação que, até aquele momento, Clarice acreditava conhecer e com quem estava casada já há vinte anos.

O colorido mundo de Clarice ruiu. Naquele instante, todas as suas certezas, todas as suas verdades foram colocadas em xeque. Seus olhos até então cerrados se abriram para uma realidade que ela teimava em ignorar: seu casamento já não mais existia, seu marido há muito não era o mesmo, não havia mais diálogo, os atrasos eram cada vez mais constantes, o sexo tornara-se uma obrigação.

Em um gesto involuntário Clarice embarcou quando seu ônibus chegou.

O sacolejar do ônibus só fez piorar o turbilhão de emoções vividas naquele momento. Tudo em sua vida era mentira e, gradualmente, o ódio invadiu seu ser. Ódio de sua vida “perfeita”, de sua família “perfeita”, de seu amor “perfeito”, daquela mulher perfeita.

Nesse instante, a caminho do médico, o reflexo de um outdoor iluminou o rosto de Clarice, assim um brilho impar, rápido. Era o reflexo do sorriso daquela mulher que havia destruído a felicidade de Clarice, e que agora está ali, estampado em um anúncio naquele outdoor, rindo de sua desgraça.

Clarice levantou-se do assento, foi até a porta, fez sinal para o cobrador e desceu... ali, no burburinho da Praça Roosevelt.

Aquele seria seu ponto final.

6 comentários:

Anônimo disse...

Putz, muito legal a explicação da história anterior, mas é Clarice ou Clarisse?
Beijos...
Mala sem alça

Ari disse...

Prezada Malinha sem alça,

Conto já corrigido...

É nisso que dá começar a escrever um conto em maio e concluí-lo em agosto!

Beijos,

SKB

Anônimo disse...

Eu sinceramente espero que ela não tenha se matado.

Anônimo disse...

Sr. Sickbastard,

Acho que a Clarice foi muito fraca, o que parece incompatível com a vida de uma mulher que cria uma família da forma "perfeita" como criou, ainda que casada com um imbecil. Se eu fosse ela, ficava com metade dos bens do marido, uma gorda pensão, os filhos, espinafrava a carreira da modelo vendida e terminaria sua vingança em Paris, no auge do verão, assistindo o desfile das famosas maisons.

Marcela Lima disse...

Esse foi o primeiro dos seus textos que eu li e preciso dizer que gostei muito!

Parabéns : )

Por acaso li também o primeiro texto postado... pobre Clarice.

bjocas,

Fábio Félix disse...

Puts, uma bela pancada.

Gostei da forma como você colocou uma mulher como vítima desse tipo de inconsequência, quando todos nós sabemos a verdade do mundo...Hahahaha...Brincadeira, brincadeira