segunda-feira, 27 de agosto de 2007

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O Pari nunca mais foi o mesmo após os bolinhos de carne de Mirthes.

Mirthes morava no Pari há quase dois anos, mudou-se sem muito alarde e demorou para se entrosar com a vizinhança. Uma mulher de meia-idade, calada, que vivia só, não tinha filhos, marido, ou companheiro.

Foi na festa de Santo Antônio do Pari que Mirthes ganhou a simpatia do bairro. Dois dias antes da festa, ela apareceu em uma das reuniões da paróquia. Numa das mãos um rosário, na outra um tupperware com nacos suculentos de bolo de carne.

O cheiro e o sabor do bolo encantaram a todos. "Claro que Mirthes poderia ofertar esse seu saboroso bolo de carne em uma de nossas barraquinhas", disse o pároco.

A iguaria saciou as bocas do Pari.

Naquele ano, depois do bolo de Santo Antônio, distribuído aos fiéis, o bolo de carne foi o quitute mais vendido da paróquia. Todos que o provavam faziam questão de cumprimentar a nova vizinha.

A única que não comeu nem um pedacinho foi a própria Mirthes, vegetariana convicta – “um desses golpes do destino", como bem disse o pároco.

Passada a festa, o bolo de carne foi assunto das rodas do bairro, dos jogos de bocha, de dominó, das conversas na feira da Rua Mendes Gonçalves. A todos que perguntavam, Mirthes cansou de dizer: "O segredo prá se fazer um bom bolo de carne está na carne, basta se escolher muito bem a carne!"

Mirthes nunca saia de casa.

Não ia à Igreja de Santo Antônio do Pari, não fazia a feira no sábado. Na quitanda do Zito só foi uma vez prá comprar condimentos. Mirthes, estranhamente nunca foi vista no açougue.

Duas semanas após a festa, a tranqüila rua ao lado da antiga fábrica Confiança, ficou repleta de policiais. Na casa de número dois cinco sete, a polícia encontrou, na cozinha, um moedor de carnes, no freezer, o segredo do sucesso dos bolinhos de Mirthes: carne, muita carne... partes de três corpos, um adulto e duas crianças.

Um policial do bairro ficou intrigado com a semelhança entre Mirthes e a mulher de um pequeno empresário da Mooca, desaparecida há quase dois anos, juntamente com seu marido e seus dois filhos após uma viagem a Serra Negra.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo indicam que trinta e três por cento da população carcerária do Estado são psicopatas.

Bem-vinda às estatísticas Mirthes.

6 comentários:

Unknown disse...

Adoreo o conto, no início achei que seria uma visão romantizada do bairro, para ver a conclusão a que chegou...Caramba, deve ter gente que virou vegetariana após ler a história...Ou no mínimo passou a só comer carne de procedência totalmente garantida...Mas é isso aí, avida como ela é.
Um beijo.

Anônimo disse...

Será que eu fui a única a sentir uma pontinha de fome?? rs

bjocas,

Ari disse...

É isso ai Psicocela!

O objetivo era esse, libertar o lado cheiro do ralo existente em cada um de nós.

Abraços,

SKB

Anônimo disse...

Tem algum depoimento pós-incidente do pároco, por aí???

Fábio Félix disse...

Ah, em primeiro lugar, achei meio vegetarianístico...rs

Em segundo: poxa, ficou muito fácil esse. Quando ela falou de escolher bem a carne, eu já sabia o final.

E, olha que você é quem tem o dom de previsão das histórias...rs

Ari disse...

Mas eu não queria fazer mistério, eu queria era evidenciar o lado podre de cada um de nós.

Quanto ao vegetarianismo, interprete como uma homenagem à Clau... hehehe.

Abraços,

SKB